sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Desvendando “A origem”

Não leia esta análise caso não tenha visto o filme. O texto contém spoilers!

Ao longo de suas 2 horas e 20 minutos de projeção, o diretor e roteirista Christopher Nolan arquiteta um ‘labirinto de palavras’ que nos leva a questionar o desfecho de “A origem”. Há detalhes por toda a história, principalmente nos diálogos entre os personagens, e é importante observar essas minúcias para tirarmos algumas conclusões sobre o final do filme.

Esse ‘quebra-cabeça de palavras’ é intrigante pelo fato de um possível sonho do protagonista em sua conclusão. Essas particularidades espalhadas pela narrativa vão fazer o espectador questionar o final toda vez que uma ‘peça’ aparecer nas diversas sessões que fará da obra.

Sonhos

A partir de um princípio ou de uma realidade, fazer inserções é a chave para a ação de um grupo de pessoas que pratica a ‘espionagem de sonhos’ por meio de um curioso equipamento de treinamento militar para roubar informações ou implantar uma idéia no subconsciente de determinada pessoa.

Dentro de tantas camadas de sonhos mostradas, o filme conecta detalhes em seu clímax para sugerir que a realidade que acreditamos seja, na verdade, outro sonho. Isso nos leva a pensar que todo o longa se trata da complexidade de um imenso sonho do protagonista Dom Cobb.

Quantos sonhos há no clímax filme? Partindo de uma 'realidade', são três camadas de sonhos e o limbo de Saito. A primeira inserção vemos o sonho do químico Yusuf. Seu exagero no champanhe antes do avião decolar para Los Angeles fez com que a primeira camada ficasse chuvosa.

O segundo sonho, com ambientação em um hotel, é o de Arthur, que fica responsável pelo 'chute sincronizado' com Yusuf na queda da van na água. O terceiro nível de sonho é do falsificador Eames. A inserção é dele justamente por ter sido o único que estudou o lugar em que o pai de Fischer esteve quando doente.

Limbo  

A definição de limbo, segundo Arthur, é como um “espaço de sonho não construído que há somente o subconsciente infinito e cru”. Para entendermos o final, não tem como deixar a questão do limbo de fora. É justamente de lá que o filme começa e é do mesmo local que partimos para o ‘gran finale’.

Na teoria do filme, para sair de um sonho e acordar na realidade, ou a pessoa é morta, ou é acordada por meio do ‘chute’ sincronizado (sensação de ‘queda’ para sair de um sonho) ou a pessoa sai automaticamente depois que seu tempo programado para sonhar termina.

Entretanto, se o sonho é manipulado por alta dosagem de narcóticos e o indivíduo morre dentro de um sonho, ele ficaria numa espécie de coma até ser despertado, em tempo indeterminado, pela máquina de inserção. É aí que surge o limbo que pode substituir e confundir a realidade do indivíduo por anos.

Depois de ter sido baleado na segunda inserção e acabou morrendo quando estava em sua terceira sub-inserção, Saito cai em seu limbo (uma casa na praia no Japão) e fica por lá durante 50 anos.

A idéia da tal máquina de inserção que conecta seus sonhadores a um universo fantástico é que 5 minutos na realidade equivalem a 1 hora de sonho. No entanto, como os personagens estavam com sedativos pesados para dormirem durante as quase 10 horas de voo entre Sydney e Los Angeles, a medicação amplia ainda mais o tempo do sonho.

Com essa ampliação, as 10 horas de sonho representam uma semana no primeiro nível, seis meses para o segundo nível e 10 anos para a terceira camada que, multiplicado por ‘5 minutos’ de sonho na realidade dão 50 anos, tempo que Saito ficou ‘preso’.

Cobb é o único do grupo que já foi e sabe como voltar de um limbo e, por isso, tem a missão de resgatar Saito. Uma vez que Cobb disse a Ariadne em seu subconsciente no final do filme que Saito “deve estar aqui em baixo”, temos a impressão de que os limbos são interconectados e, por isso, o herói consegue chegar até Saito a partir de seu limbo.

A 'realidade' 

O grande entrave de “A origem” é justamente a personagem Mal, a falecida mulher de Cobb. Em seus inúmeros sonhos, Mal sempre aparece para atrapalhá-lo quando está em outras inserções, comprometendo suas ações. Ela é a vilã do filme e é uma peça fundamental para que o espectador desvende o mistério sobre o desfecho do longa.

A projeção de Mal nos sonhos de Cobb vem atrelada com as aparições de seus filhos. O maior desejo do protagonista é reencontrar sua família, mas não consegue ‘voltar para casa’ por ser perseguido por corporações anônimas que querem a sua cabeça e pelo medo da rejeição, já que muitos o consideram culpado pela morte da mulher.

O subconsciente é controlado pela emoção e não pela razão e isso é um prato cheio para Mal invadir o sonho mais profundo de Cobb. Mal quase ‘mela’ toda a operação final, como na parte em que ela atira em Fischer depois de ouvir pelo subconsciente de Cobb a informação de um ‘atalho do labirinto’ dada por Ariadne. Para que nada saia dos trilhos, Cobb tem que resolver a situação ou apagar Mal de suas lembranças.

Mal e Cobb trabalharam juntos no conceito de sonho dentro do sonho. Os dois se aprofundaram no estudo e subestimaram o fator tempo das inserções. Por causa disso, eles não entenderam o conceito de que horas se tornam anos a cada sonho dentro do sonho, fazendo com que perdessem a noção do que era real.

Durante 50 anos de ‘sonho dentro de sonho’, ambos construíram um mundo só para eles, ou seja, os dois passaram a viver numa espécie de limbo e lá foi a realidade dos dois (“Criar um sonho a partir da memória é um jeito fácil de perder noção do que é real e o que é sonho”).

Mal enlouquece, questiona o seu mundo e decide armar um esquema para se matar e voltar para um mundo real que ela acredita. Seu plano era de culpar Cobb por sua morte e tentar convencê-lo ao suicídio. Entretanto, ele não cai em sua ‘armadilha’ e opta por seu mundo que ele considera real.

Mal ainda dá dicas a Cobb sobre o seu mundo, mas ele não acredita. “Seu mundo não é real. Um pensamento simples que muda tudo. Está tão certo do seu mundo. Do que é real! Acha que ele é? Ou acha que está tão perdido como eu estava?... Admita, não acredita mais em uma só realidade... Você vive falando sobre o que você sabe. Mas em que você acredita? O que você sente?”, diz Mal a Cobb.

Conclusões 

Há diversas pistas que nos faz acreditar que o protagonista está sonhando no desfecho do filme. Mal pode estar certa em sua teoria que foi ignorada por Cobb e o sonho é comprovado pelo peão que não caiu na última cena. Outra pista é quando Cobb visita Miles em Paris (o avô de seus filhos) e, em determinado momento, esse senhor diz: “volte para a realidade, Cobb”.

Miles foi o mestre de Cobb no projeto de inserção e ele pode estar manipulando o sonho e realizando o desejo do protagonista de ver os filhos. A prova disso é que o peão não caiu ao ser jogado, o que faz jus a teoria do totem.

O espectador é ‘enganado’ pelo totem que é testado algumas vezes. O totem não significa que seja uma prova de estar na realidade, apenas indica que a pessoa está no próprio sonho e não no de outra pessoa. 

O peão gira e cai. Se ele cai é porque Cobb não está no sonho de outra pessoa e sim no próprio sonho, que ele acredita (e os espectadores também) ser a realidade. Com o peão girando sem cair, existe a hipóteses de que alguém esteja manipulando o sonho de Cobb.

Outro detalhe intrigante é a maneira como Cobb resgata Saito do limbo. Se compararmos com o que Mal fez, podemos deduzir que ela esteja certa ao se matar para ir ao ‘mundo real’. Para que Saito, já idoso, saísse de seu limbo, ele pegou numa arma e supõe-se que tenha cometido suicídio depois de ter atirado em Cobb. Feito isso, vemos ambos acordando dentro do avião.

É interessante observar uma reação do protagonista logo após ter salvado Saito do limbo. Como Cobb explicou em um determinado momento do filme, quem morre em um sonho altamente manipulado por drogas corre o risco de ter seu passado recente apagado da mente quando acordasse na realidade. 

Parece que isso aconteceu com o protagonista quando, possivelmente, ele tenha morrido afogado dentro da van e ter parado em seu limbo (onde há uma suposta interconexão entre os limbos). Quando Cobb acorda no avião, suas feições nos faz imaginar uma estranheza de sua parte para com os outros personagens: “o que estou fazendo aqui e quem são essas pessoas”. Isso soa como consequência da perda de informações da mente.

Há diversos outros detalhes que sincronizam as ações da narrativa. Muitas particularidades são explicados no decorrer do filme, tanto com artifícios textuais como temporais e físicos para não deixar o espectador tão perdido no final.

Talvez, seu eu ver “A origem” pela quinta vez é provável que eu tenha de reescrever este texto. Afinal de contas, o filme é um labirinto onde não conhecemos sua saída, portanto, nossa percepção sobre a obra pode ser um mero limbo.

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