sábado, 18 de novembro de 2017

Liga da Justiça

A DC Comics sofreu com críticas e reclamações de fãs que clamavam ver nas telonas a reunião dos super-heróis mais famosos de seus quadrinhos. A pressão aumentava à medida que a  rival (Marvel) lucrava rios de dinheiro com filmes divertidos, bem realizados e que faziam conexões que resultaram em um universo compartilhado. A parceria com o estúdio Warner (detentor dos direitos dos heróis para o cinema), que só tinha olhos para a trilogia fechada de Batman de Christopher Nolan, fez o sonho virar realidade, porém, de forma tardia.

O cineasta Zack Snyder foi escalado pela Warner/DC Comics para iniciar uma série de longas sobre os icônicos heróis da editora. O diferencial para essa criação de universo era investir na pegada realista e sombria, peculiar dos quadrinhos, algo completamente oposto da Marvel/Disney no cinema. O resultado me agradou muito quando surgiu "O Homem de Aço" (2013), mas não agradou uma pequena parte da crítica que estava acostumada com os produtos bem humorados e simpáticos da concorrência. Nessa altura do campeonato, o placar era de 7 a 1 para a Marvel e uma vantagem de 5 anos na produção ininterrupta de longas de super-heróis: "Homem de Ferro" (2008), "O Incrível Hulk" (2008), "Homem de Ferro 2" (2010), "Thor" (2011), "Capitão América - O Primeiro Vingador" (2011), "Os Vingadores" (2012) e "Homem de Ferro 3" (2013) x "O Homem de Aço".

De 2013 em diante, houve um hiato de 3 anos sem produtos da Warner/DC Comics e isso fez a Marvel ampliar ainda mais o placar: 12 a 1. Após a terceira parte de "Homem de Ferro", vieram "Thor - Mundo Sombrio" (2013), "Capitão América - Soldado Invernal" (2014), "Guardiões da Galáxia" (2014), "Vingadores - Era de Ultron" (2015) e "Homem-Formiga" (2015).

O ditado 'a pressa é a inimiga da perfeição' retrata bem o que foi "Batman vs Superman: A Origem da Justiça" (2016). A vagarosidade da Warner/DC Comics em prosseguir com seu universo cinematográfico fez a produção de "BvS" ser acelerada. Isso rendeu uma série de problemas, tanto no quesito técnico como em divergências criativas. Paralelamente, a Marvel estava a todo vapor e já havia feito dois "Vingadores", aventuras similares ao "Liga da Justiça", que estava por vir. Além disso, o diretor por trás do projeto DC Comics nos cinemas, Zack Snyder, começou a ser contestado por: a) não entender a essência que os fãs ou os críticos mais fervorosos desejavam ver; b) não conseguir trabalhar na duração (150 minutos) e no tom ideal cobiçados pelos produtores.

O resultado de "BvS" foi bom nas bilheterias (US$ 872 milhões), mas estava longe da meta bilionária estipulada pelos produtores. E quem pagou o pato foi Zack Snyder com sua substância realista e tenebrosa que contornou a atmosfera na briga entre Batman e Superman. No mesmo ano, uma guinada expressiva aconteceu em outro filme da Warner/DC Comics.

Após o insucesso crítico de "BvS" (a versão estendida é bem melhor que a versão de cinema), "Esquadrão Suicida", dirigido por David Ayer, passou por processos de reedição e refilmagens de última hora para ficar menos nebuloso e mais irônico. Foi uma idéia adotada pelos produtores para se aproximar da leveza dos produtos da concorrência. Isso comprometeu o resultado final do longa tornando-o desorganizado e de execução ruim, o que culminou no segundo fracasso crítico. No entanto, os US$ 745 milhões na bilheteria mundial de um filme sobre os personagens da prateleira debaixo da DC agradaram aos produtores.

Em meio a um turbilhão de apreciações negativas, muitos diziam que o futuro do projeto cinematográfico da Warner/DC Comics dependia do sucesso de "Mulher-Maravilha" (2017). Finalmente, um resultado mais que positivo! O filme dirigido por Patty Jenkins agradou a maioria dos espectadores. A atmosfera mais leve e sua energia emblemática deram um novo fôlego para a construção do tão esperado "Liga da Justiça" que é bom, porém repleto de problemas.

"Liga da Justiça" começa após a trama de "BvS". Na eminência de uma ameaça global, Bruce Wayne vai atrás dos meta-humanos no intuito de formar uma equipe capaz de derrotar o Lobo da Estepe, um alienígena com pretensões apocalípticas que está à procura das três caixas maternas escondidas na Terra (uma está com as Amazonas, a outra com os Atlantis e a última com os humanos). As tais caixas são computadores vivos criados com a tecnologia dos Novos Deuses, grupo celestial da Quarta Dimensão, e possuem poderes infinitos que podem satisfazer qualquer necessidade de quem as usa. A união das três caixas as torna a arma mais poderosa do universo.

Zack Snyder, novamente na direção e também ajudando no roteiro, já não estava com a mão pesada de "BvS" e parecia ter colocado o trem de volta aos trilhos com um pouco mais de leveza. Mas... eis que surge uma nova reviravolta na produção. Faltando pouco mais de 3 meses para o lançamento do longa, Snyder se afasta do cargo devido a uma tragédia familiar (suicídio da filha). E a correria, novamente, entrou em cena, o que obrigou os produtores a contratarem outro diretor. Quem? O 'marvete' Joss Whedon, que assinou a direção dos dois primeiros e bem sucedidos "Vingadores".

O sentimento de que haveria uma volta por cima acabou ficando na incerteza de dias melhores. Com o nome forte de fora do projeto, era o momento exato de outros mandatários  mudarem a cara de "Liga da Justiça" para algo que muitos na Warner queriam: a adequação do filme para atender as exigências do mercado e para se aproximar da concorrência. O ditado citado no quarto parágrafo desse texto também pode ser enquadrado aqui devido à falta de tempo para dar um acabamento melhor ao longa.

Whedon fez algo parecido ao que havia acontecido com "Esquadrão Suicida", e isso é notório: introduziu piadas, infantilizou a essência da narrativa colocando mais cores e humanismo, mudou o compositor da trilha sonora, escreveu novas cenas e fez diversos cortes na história (e, também na duração!). Curiosamente, quando as novas cenas foram gravadas, Henry Cavill, que interpreta o Superman, já estava com o visual diferente. O ator estava com um bigode que não podia ser tirado em função de força contratual com o estúdio Paramount, a qual estava com Cavill filmando "Missão: Impossível 6". A solução foi raspar digitalmente o bigode na pós-produção.

Felizmente, o resultado foi o oposto com "Esquadrão Suicida". Entretanto, ainda há diversas linhas tortas, como os vários momentos de humor que ficaram deslocados, o tom maniqueísta trabalhado de forma convencional, a falta de um senso de ameaça (o prenúncio é global e ninguém se preocupa com isso) além do fraco desenvolvimento do vilão. Lobo da Estepe é caricato e artificial ao extremo. Seus motivos para ser temido são os mais rasos possíveis. Além disso, o personagem tem uma apresentação confusa, é totalmente feito em CGI ruim (efeitos visuais) e sua falta de naturalidade não o faz ser amedrontador. 

Outra carência importante em "Liga da Justiça" é a emoção. Há momentos que deveriam nos deixar arrepiados e contagiados, mas faltou o empurrãozinho da trilha sonora para que isso acontecesse. A trilha, de Danny Elfman, que substituiu Junkie XL, não é ruim e está em harmonia com a maioria das situações do filme ao reciclar acordes de Hans Zimmer, responsável pela trilha de "O Homem de Aço" e "BvS", e de resgatar a música tema de "Mulher-Maravilha", de Junkie XL. No entanto, é uma pena que Elfman execute apenas as primeiras notas musicais dos clássicos temas de Batman (que é dele) e Superman (de John Willians) e não dá sequência nas canções quando deveria. Isso fez o longa perder a oportunidade de ser emblemático. Porra, Danny!

Por outro lado, há vários elogios a tecer sobre "Liga da Justiça". Snyder demonstra, novamente, que tem uma concepção estética interessante, domínio de câmera e coerência textual ao conectar ideias convincentes que dão andamento na história (salvo algumas soluções repentinas que ficaram com a sensação de que sofreram cortes de Whedon). Há, também, um equilíbrio na apresentação e na interação dos protagonistas. Todos possuem tempos de tela pontuais e boa química em cena. Além disso, o roteiro é sucinto ao abordar a origem daqueles personagens que ainda não tiveram espaço no universo cinematográfico, como Flash, Aquaman e Cyborg. Este último, interpretado por Ray Fisher, que é meio homem e meio máquina, merecia uma abordagem mais aprofundada, já que ele não sabe do que é capaz com o poder que tem e é o herói chave para a grande reviravolta da trama.

O Flash, por sua vez, foi o único herói que ficou um tanto quanto esquisito. Embora seja o alívio cômico por causa de sua ingenuidade e inexperiência, características bem encenadas pelo ator Ezra Miller, seu jeito de correr ficou estranho e pouco natural. Ele deixa um rastro de raios e tudo fica meio embaçado e visualmente confuso quando está em câmera lenta (deveria ser o contrário disso). É inevitável a comparação, mas a solução visual para as cenas de ação do Mercúrio, de os "X-Men", é mais clean e espetacular.

Como a atmosfera está mais amena, Ben Affleck faz um Batman mais camarada, menos carrancudo e até tem certa ironia em algumas falas. Mesmo assim, nunca deixa de ser egocêntrico. Gal Gadot, sempre carismática, repete a imponência de Diana Prince assim como Henry Cavill, que só aparece no final do segundo ato, demonstra boa presença de tela ao se impor como um Superman ainda mais poderoso.

E o Aquaman? Jason Momoa está estiloso e 'bad boy' como o Rei dos Mares. Ele tem bons diálogos, mas é apresentado de maneira rasa. Talvez seja proposital para nos deixar ansiosos com seu filme solo em 2018. Momoa, inclusive, revelou um easter-egg bacana dito por Snyder a respeito de uma cena de "O Homem de Aço". Quando Clark apareceu flutuando desacordado no oceano após salvar pessoas em uma plataforma de petróleo em chamas, foi o Aquaman quem o salvou.

Enfim, "Liga da Justiça" tem bom ritmo, é mais leve, objetivo, bem-humorado, a química entre os heróis funciona, tem cenas de ação legais (mas nada memorável) e algumas referências aos filmes anteriores e aos quadrinhos que vão divertir o público. Atente para uma cena entre os créditos finais e outra após os créditos, que é mais importante e deixa uma ponta para continuação. Ouvi um comentário de uma pessoa, da qual não lembro o nome, que se encaixou com perfeição sobre o que é "Liga da Justiça": 'não é o filme que merecíamos, mas era o que precisávamos'. Que venham os próximos!

Liga da Justiça (Justice League)
2017, EUA - 120 minutos
Aventura/Ação
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio, Gardner Fox, Joss Whedon, Zack Snyder
Elenco: Henry Cavill, Ben Affleck, Gal Gadot, Amy Adams, Diane Lane, Jeremy Irons, Ezra Miller, Jason Momoa, Ray Fisher, Connie Nielsen, J. K. Simmons
Cotação: * * *